Fichamentos sobre “plágio” no livro Distúrbio Eletrônico

Selecionei alguns trechos sobre plágio do capítulo 4 (Plágio utópico, hipertextualidade e produção cultural eletrônica) do livro Distúrbio Eletrônico,  escrito pelo Critical Art Ensemble e (publicado no Brasil pela editora Conrad). Criei este post para servir de complemento a este texto do Emílio.

O plágio tem sido há muito considerado um mal no mundo cultural. Tipicamente, tem sido visto como um roubo de linguagem, idéias e imagens executado pelos menos talentosos, freqüentemente para o aumento da fortuna ou do prestígio pessoal. No entanto, como a maioria das mitologias, o mito do plágio pode ser facilmente invertido. Talvez aqueles que apóiam a legislação sobre representação e a privatizado da linguagem são suspeitos. Talvez as ações dos plagiadores, em determinadas condições sociais, sejam as que mais contribuem para o enriquecimento cultural. Antes do Iluminismo, o plágio tinha sua utilidade na disseminação das idéias. Um poeta inglês poderia se apropriar de um soneto de Petrarca, traduzi-lo e dizer que era seu. De acordo com a estética clássica da arte enquanto imitação, eta era uma prática perfeitamente aceitável. O verdadeiro valor dessa atividade estava mais na disseminação da obra para regiões onde de outra forma ela provavelmente não teria aparecido, do que no fortalecimento da estética clássica.  (p.83)

O plágio freqüentemente carrega um peso de conotações negativas (particularmente na classe burocrática). Enquanto a necessidade de sua utilização aumentou com o passar do século, o plágio foi camuflado em um novo léxico por aqueles desejosos de explorar essa prática enquanto método e como uma forma legítima de discurso cultural. Readymades, colagens, found art ou found texto, intertextos, combines, detournment e apropriação – todos representam incursões no plágio. De fato, esses termos não são sinônimos perfeitos, mas todos cruzam uma série de significados básicos à filosofia e à atividade de plagiar. Filosoficamente, todos se opõem a doutrinas especialistas de produção de textos: todos pressupõem que nenhuma estrutura dentro de um determinado texto dê um significado universal e necessário. Nenhuma obra de arte ou de filosofia se esgota em si mesma, em seu ser-em-si. Tais obras sempre estiveram relacionadas com o sistema de vida vigente da sociedade na qual se tornaram eminentes. (p.85)

O plágio historicamente se colocou contra o privilégio de qualquer texto fundado em mitos espirituais, científicos ou quaisquer outros mitos legitimadores. O plagiador sempre vê todos os objetos como iguais, e assim horizontaliza o plano do fenômeno. Todos os textos se tornam potencialmente utilizáveis e reutilizáveis. Aqui temos uma epistemologia da anarquia, de acordo com a qual o plagiador sustenta que se a ciência, a religião ou qualquer outra instituição social impossibilita a certeza além do domínio do privado, então é melhor dotar a consciência de tantas categorias de interpretação quanto possível. (p.87-88)

O gênio de um inventor como Leonardo da Vinci residia em sua capacidade de recombinar os sistemas até então separados, da biologia, matemática, engenharia e arte. Ele era mais um sintetizador do que um criador. Existiram poucas pessoas como ele porque a habilidade de reter tantos dados em uma única memória biológica é rara. Agora, no entanto, a tecnologia da recompilação está disponível no computador. O problema agora para os candidatos a produtores culturais é conseguir ter acesso a essa tecnologia e informação. Afinal, o acesso é o mais preciso de todos os privilégios, e é, portanto, muito bem guardado, o que por sua vez no faz pensar se para ser um plagiados de sucesso é preciso ser também um hacker bem-sucedido. (p.89-90)

O sonho do plagiador é ser capaz de baixar, mover e recombinar textos com comandos simples e de fácil uso. Talvez o plágio legitimamente faça parte da cultura pós-livro, já que apenas nessa sociedade ele pode tornar explícito o que a cultura do livro, com seus gênios e auteurs, tende a ocultar:  que a informação é mais útil quando interage com outra informação, e não quando é deificada e apresentada no vácuo. (p.90)

Na Inglaterra do século XVII, quando o direito autoral apareceu pela primeira vez, o objetivo era reservar às próprias editoras, para sempre, os direitos exclusivos de imprimir certos livros. A justificativa, é claro, era de que, quando usadas em um obra literária, a linguagem teria a personalidade do autor imposta sobre ela, marcando-a dessa maneira como propriedade privada. Sob o abrigo dessa mitologia, o direito autoral floresceu no capitalismo tardio, estabelecendo os precedentes legais para a privatizado de qualquer item cultural, fosse ele uma imagem, uma palavra ou um som. Assim o plagiador (até mesmo o da classe tecnocrática) é mantido em uma posição profundamente marginal, a despeito dos usos inventivos e eficientes que sua metodologia possa ter em relação ao estado corrente da tecnologia e do conhecimento. (p.98)

O presente requer que repensemos e representemos a concepção de plágio. Sua função tem sido há muito desvalorizada por uma ideologia que tem pouco lugar na tecnocultura. Deixemos que as noções românticas de originalidade, genialidade e autoria permaneçam, mas como elementos para produção cultural sem nenhum privilégio especial acima de outros elementos igualmente úteis.  (p.98)