O anteprojeto e o antiprojeto do design livre

Uma conversa minha com o Gonzatto em 3 de outubro de 2010 sobre o projeto de mestrado que ele elaborava para o PPGTE. A proposta era estudar design livre a partir dos escritos de Vilém Flusser, autor de Uma Filosofia do Design, Mundo Codificado, Filosofia da Caixa Preta e outros livros geniais.

Essa conversa mostra algumas das questões que motivaram desenvolver o conceito de Design Livre. Algumas se perderam no meio do caminho, outras ficaram. Alguém afim de trazê-las de volta à baila?

poemas-de-paulo-leminski-pichados-muro-curitiba
lendo flusser
para o deisgn livre
fred: muito boa essa do leminski
02:29 acho q poderia render sua dissertação
o q o barro do design de interação quer?
quais são as intenções do design thinking?
Rodrigo: to indo nessa onde mesmo. é nois no design livre
explique melhor essa ultima pergunta
design thinking como tecnologia?
02:30 fred: design thinking como um monstro coletivo
02:31 um meme
Rodrigo: acho massa pensar dessa maneira
mas acho esse papo de design thinking tão fraquinho. a galera tá mesmo ligada nisso?
lembra que tu falou de um cara
que disse que essa coisa de todas as disciplinas vivarem importantes em todas as partes do processo
02:32 fred: sim sim
Rodrigo: é uma horizontalicao do conhecimento, pois todo esta interdisciplinar? quem falou isso
vc viu numa palestra
fred: cara, vc tem q levantar as bolas pra bater
não se preocupe se não sobrar nada
no pre projeto vc tem q mostrar q tem bala na agulha
só isso
meta o pau em todo o mundo e diga q só um cara salva
Rodrigo: flusser salva
fred: isso
02:33 Rodrigo: flusser morreu pelos nossos pegados
ou pecados
flusser em breve voltará
fred: flusser está entre nós
Rodrigo: grande conselho
hahahahaha
boa
vc deveria fazer seu doutorado em cima do seu modelo de dxi
é a luta entre humanos e aparelhos
02:34 um ringue, cada um de um lado, mediações são o poder. temos que empurrar esta interface contra
fred: hahaha
conflito na interface
poderia ser o título
02:35 Rodrigo: com galvão bueno narrando e eye of the tiger ao fundo
fred: sinistro
Rodrigo: escravizando o aparelho
fred: metadesign versus autopoiese
02:36 Rodrigo: urra!
ai o bicho pega
fred: duelo de gigantes
Rodrigo: titãs
ao vencedor, as relações de poder (e as batatas)
fred: hahahaha
02:38 cara, acabei de pensar
no novo paradigma
Rodrigo: opa
fred: que vai salvar a sociedade
o desdesign
Rodrigo: estava na hora!
hummmmm
nome bonito
bom!
fred: pra voltar atrás
Rodrigo: fazer o design desmanchar no ar?
fred: fazer a gente voltar a ser o que era antes
seres espontâneos
02:39 Rodrigo: pode crer. antes do texto (segund flussssser)
fred: desdesign é o design que come pelas bordas
Rodrigo: hummm
sem necessidade de design? é isso?
fred: o design é o mal do século
tudo é projeto
Rodrigo: design como uma necessidade que pode ser evitada
fred: tudo é projetado
nada mais acontece por acaso
um saco de vida
Rodrigo: uau!
isso é bom
fred: então o lance é fazer ações que quebrem o projeto
02:40 que façam o projeto ruir
aos poucos é claro
é um antiprojeto
busquei o acaso,
esse deus que eu desfaço.
02:41 fred: antiprojeto contra o anteprojeto
Rodrigo: uau!!
bom bom bom!
02:42 demais!
estava pensando em porque será
que tenho que trabalhar como Designer de Interação como titulo
porque as coisas tem Designer na frente
porque não só Interação
a disciplina ser Interação. estudo Interação
02:43 mas tem que ser Designer. porque tem que ser projetado
obrigatoriamente
pq nao estudar só como é a interação, sem projeto? como acontece
Design como uma ciência natural
Rodrigo: nao
Interação como ciencia natural
se possivel, nao ciencia
02:44 fred: porque tem que operacionalizar este conhecimento paras as rotinas produtivas de valor
Rodrigo: uhumm
02:46 o acaso
me lembrou esse texto que vi esses dias
02:47 É totalmente possível que outra pessoa nos entenda muito mais do que nós mesmos http://nao2nao1.com.br/conversar-discutir-e-melhorar-a-comunicacao-e-realmente-o-segredo-de-um-bom-relacionamento/
o projeto tenta
deixar tudo às claras
tudo dito
mas quem disse que é assim que se faz, que assim se compreende?
02:50 fred: o contrário do design é o acaso?

Primeira conversa sobre Design Livre registrada no Faber-Ludens

Vasculhando no meu email, encontrei a primeira conversa em que o termo foi mencionado, em 2009. O Gonzatto estava fazendo um trabalho sobre metodologias de design na disciplina do Renato Costa e mandou por email um rascunho de um texto que usava o termo pela primeira vez. O texto dava nome a prática de projeto que já estava sendo desenvolvida no Instituto naquele momento, com projetos de alunos abertos, licenças creative commons e participação de usuários.

Rodrigo Gonzatto  14 de julho de 2009 16:38
Para: Frederick van Amstel , Renato Costa

Olá Fred e Renato! Podem me ajudar com duas dúvidas?

Sabem se existe alguma metodologia de Design
que envolva ainda MAIS os usuários (ou melhor, as pessoas)
que o DCU e o Design Participativo?

E as comunidades de código livre, são um exemplo de uso da metodologia participativa?

(Tô com uma idéia na cabeça…)


Frederick van Amstel  14 de julho de 2009 17:02
Para: Rodrigo Gonzatto
Cc: Renato Costa
Sugiro que vc dê uma lida no capítulo 2 da minha dissertação onde
tento uma aproximação entre a metodologia bazar do Software Livre e o
Design Participativo.
http://usabilidoido.com.br/das_interfaces_as_interacoes_design_participativo_do_portal_brofficeorg.htmlUma coisa que quiz manter na minha abordagem é a figura do designer,
não como criador, mas como mediador do processo. Porém, tem gente que
acredita que é possível design sem designer, como no caso das
metrópoles não-planejadas, fruto do micro-planejamento de diversas
entidades.Eu chamaria isso de Design Coletivo, mas não encontrei um referencial
robusto durante minha pesquisa de mestrado.Alguns textos que se aproximam disso:
http://www.cs.chalmers.se/idc/theses/04/pdf/tannfors.kristensen.pdf
http://l3d.cs.colorado.edu/~gerhard/papers/Interact-2007.pdf
http://ojs.ruc.dk/index.php/pdc/article/view/235

 


Rodrigo Gonzatto 14 de julho de 2009 18:42
Para: Frederick van Amstel

Vou ler suas referências, Fred. Preciso ler, ler, ler! hehehehe

Por ora, deixo abaixo um texto que elaborei hoje de manhã,
em meio às minhas divagações sobre metodologias de design.

Encontrei, sobre o assunto essa referência: http://br-linux.org/linux/node/8522
Que é um projeto que visa o desenvolvimento do design social e a promoção do ofício do design.
Interessantíssimo.

Essa ideia me surgiu pensando sobre como um “Design centrado em mim”
poderia ou não poderia mudar a ideia de “Eu fazendo design para ser usado por outros”.

Pois:

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Design Livre: o processo liberto

 

Design livre é a mãe que ensina a filha à cozinhar, ao invés de fazer a comida que a filha gosta (Centrado no Usuário) ou chamar a filha para cozinhar junto (Design Participativo). É um passo para a difusão da cultura do hack e da gambiarra, onde, se eu não gosto de algo, eu mesmo altero, arrumo, melhoro, transformo ou personalizo.

No Design Centrado no Usuário, um grupo de designers volta seu olhar para outra pessoa: o usuário. No Design Participativo, o designer junta-se aos usuários para projetar. No Design livre, a proposta é que os designers transformem usuários em designers. E estes, sim, é que realizam o projeto. A partir daí, aqueles designers, iniciais, agora só colaboram, e vão assessorando e sugerindo ideias para o projeto que estes usuários, que agora são designers, estão desenvolvendo.

De início, em contraponto aos problemas do DCU, penso o qão interessante seria pensar em um “Design centrado em Mim”. Mas, assim como é  dificil conhecer o outro (no DCU), que também tem seus problemas. Mas pense nas possibilidade de um “design centrado em Nós”, ao invés do “Design centrado Neles”, tão comum no DCU.

Comercialmente, a princípio, isto parece ser um desastre. Mas tente imaginar Design livre como uma metodologia de Design Social. O nome desta proposta poderia ser “Design liberto”, “Design libertário”, podem ser propostas muitas nomeclaturas. Talvez esta proposta resuma os mais evidentes problemas de algumas metodologias do design à um problema de ensino e educação.

O que interessa é pensar em novas propostas de design, que ajudem a criar uma sociedade mais crítica e (como o Fred costuma sempre ratificar) dê poder para as pessoas.

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Fico em dúvida se posto isso logo (e aquele meu modelo de design, mais lúdico)
ou desenolvo mais antes de postar. Pode me dar uma sugestão?


Renato Costa  14 de julho de 2009 20:57
Para: Frederick van Amstel
Cc: Rodrigo Gonzatto
Pois é, esse assunto dá um bom debate! Se o designer vira somente um
mediador, ele ainda é um designer? O que caracteriza a atuação do
designer? Para mim, a criatividade é uma habilidade essencial para um
designer. Mas acho que para ser designer não deveria ser preciso um
curso superior. O Design é um tipo de conhecimento que todos deveriam
ter contato ainda no ensino fundamental e médio. É como o
empreendendorismo. São conhecimentos que formam um cidadão ativo,
criativo, crítico. Se o designer virar um mediador, ele estará
delegando o processo criativo aos participantes. E esse mediador terá
que ensinar alguns conceito básicos de design para os participantes,
mesmo que de forma indireta. Então, na verdade, teremos uma grande
equipe de designers coordenados por um designer mais experiente.
Não sei qual é essa sua idéia, mas uma referência que posso te passar
é esse livro: http://books.google.com.br/books?id=UHLv3zg_r9EC&pg=PP1&dq=unilabor
Tem uma resenha do livro aqui:
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/417/9948
É sobre a Unilabor, uma cooperativa de fabricação de móveis.Abs,
Renato

Frederick van Amstel  15 de julho de 2009 03:46
Para: Rodrigo Gonzatto
Posta logo! Aplique sua própria metodologia para desenvolvê-la!

O Gonzatto postou e o texto virou referência.

Fab Lab: A Vanguarda da Nova Revolução Industrial

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Este livro se apoia em uma série de viagens conduzida entre 2011 e 2012, por Fabien Eychenne sob o apoio da instituição francesa Fing, em vários Fab Labs do mundo, cuja finalidade foi a de entender melhor, ir mais longe, encontrar os atores que criaram e continuam dando vida aos Fab Labs, chegar mais próximo dos usuários que os frequentam e desenhar uma tipologia.

O livro tem interesse por descobrir verdadeiramente estes espaços, descrever as especificidades, os problemas; tentando assim desenhar um retrato fiel dos diferentes encontros realizados durante as visitas experimentais. Ao interrogar a comunidade criativa e a equipe que trabalha nestes Fab Labs, o objetivo foi sempre o de relatar o funcionamento do dia-a-dia, observar os usos, práticas, projetos e compreender os modelos econômicos emergentes.

A reedição brasileira traz consigo esta pesquisa realizada, adicionando a experiência vivencial do primeiro ano da rede no Brasil. Através do olhar de Heloisa Neves, o texto francês ganha uma cor brasileira, e contornos do que pode vir a ser a rede no país.

Compre pela Amazon ou baixe o PDF gratuitamente.

Cultura maker: quando o fundo de quintal vira vitrine

Semana passada estive na Maker Faire in Roma, a primeira edição completa organizada fora dos Estados Unidos. Eu esperava algo bem pequeno, mas quando vi o prédio onde seria o evento já percebi que algo muito importante estava acontecendo.

O Palazzo dei Congressi é um dos prédios construídos por Mussolini para abrigar uma feira internacional que nunca aconteceu devido à Segunda Guerra Mundial. A feira tinha o objetivo, dentre outros, de mostrar a produtividade industrial do regime fascista.

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70 anos depois, a Maker Faire mostrou a produtividade da cultura maker em toda a Europa. Mais de 200 grupos expuseram na feira suas criações de fundo de quintal. Brinquedos, impressoras, instrumentos musicais, e robôs, fabricados em casa ou em pequenos escritórios, com materiais de baixo custo e tecnologias de produção simples.

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Bicicleta com quadro de madeira.

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Scanner de objetos em 3 dimensões feito com webcam e feixe de laser simples.

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Luva de realidade virtual baseada em Arduino e sensores de flexão.

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Balão metereológico baseado em Arduino e gás hélio.

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Almofada que responde ao usuário com grunhidos e vibração.

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Instrumentos musicais costurados em tecido.

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Jogo de tabuleiro baseado em sensor de ondas cerebrais plugado numa Arduino.

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Sequestrado de carbono baseado em cultura de algas.

Esses foram alguns dos projetos que eu consegui ver e falar com os makers, porém, muitos não dava nem pra chegar perto, pois a feira estava lotada! A visitação foi massiva. A foto abaixo é de um dos 10 pavilhões, todos apinhados de crianças e adultos querendo saber como é que o sujeito fez aquela coisa.

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Chris Anderson, anuncia no livro Makers (disponível em português) que estamos presenciando uma nova revolução industrial. O que hoje é uma brincadeira de hobbistas pode virar no futuro um modo de produção generalizado. Ao invés de comprar produtos industrializados, as pessoas iriam fabricar o que precisam em suas casas ou em birôs de fabricação próximos à sua casa.

Na minha opinião, o movimento ainda não adquiriu as características de um sistema de produção global que justifique chamar de revolução. A sustentabilidade ainda é uma grande incógnita, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista ambiental. Porém, acredito que terá grande relevância para as futuras gerações.

Hoje um dos grandes desafios do atual sistema produtivo é a formação de mão-de-obra técnica e, ao mesmo tempo, criativa. A cultura maker cria motivação para desenvolver essas habilidades durante o tempo ocioso. Ela cria uma ponte produtiva entre o mundo do trabalho e o mundo da vida pessoal. Os produtos feitos pelos makers podem não ser úteis, mas o processo de produção gera um conhecimento muito mais precisoso que o próprio produto. No mercado de trabalho, isso é um grande diferencial.

Os pais que já sacaram isso estão imergindo seus filhos na cultura maker. Meu filho, por exemplo, já brinca com Scratch e Arduino. Na Maker Faire, vi dezenas de crianças como ele. Os europeus vêm na cultura maker uma aposta para superar as contradições do sistema produtivo atual, que levou a maior parte das fábricas (e empregos) para a China. Eu acredito que a cultura maker tem maior potencial em transformar os hábitos de consumo, de uma perspectiva passiva e desinformada, para uma perspectiva consciente e engajada.