Criação colaborativa e online de REA com Design Livre e Corais.org

A ideia de REA (Recursos Educacionais Abertos) está fortemente vinculada à um sentido social de colaboração à uma comunidade. Geralmente, sua contribuição fica na DISTRIBUIÇÃO de arquivos de forma aberta, permitindo uso, distribuição e reuso (remix). Entretanto, REA também podem ser colaborativos na sua CRIAÇÃO, seja de novos REA ou de remix (versões derivadas de outras).

Criar e projetar REA com outras pessoas, de forma online e a distância é diferente de fazê-lo presencialmente. Algumas das dificuldades: como se comunicar rapidamente? Tomar decisões? Coordenar tarefas? Ver o trabalho dos outros e trocar arquivos? Não misturar versões e não se perder no meio do processo?

Algumas ferramentas podem ajudar, como Dropbox (para troca de arquivos), Google Drive (para troca de arquivos e edição online de textos, imagens, etc), Facebook ou mesmo blogs (como o Blogger). Porém, estas são ferramentas proprietárias e fechadas. Se um grupo de pessoas quer utilizar ferramentas abertas e livres para produzir Recursos Educacionais Abertos, uma saída é utilizar ferramentas como Wikis, edição simultânea de textos do EtherPad https://etherpad.mozilla.org/ e ferramentas de blog e redes sociais como o WordPress, Drupal ou Moodle.

O Corais www.corais.org é uma plataforma para realizar projetos colaborativos, que une em um só lugar ferramentas software livre como o EtherPad, chat, banco de imagens, arquivo, blog, Wiki, gerenciamento de tarefas, etc,

Pelo Corais é possível que várias pessoas trabalhem em projetos de REA (e também em outros, que não são de REA) de forma online, colaborativa e a distância. Esta plataforma trabalha com a ideia de DESIGN LIVRE, https://designlivre.org/category/definicoes/ um processo colaborativo orientado à inovação aberta, que acredita que pessoas com as mais diferentes habilidades, cada uma com seu conhecimetno, podem todas participar da elaboração de coisas digitais.

Livro sobre o que é o Design Livre: https://designlivre.org/download/

Vídeo explicando o que é a plataforma de projetos colaborativos: http://vimeo.com/42226869

A caixa preta do design

Na palestra que dei com meu filho na Campus Party, fiz uma distinção entre Software Livre e Design Livre. Embora existam exceções, em geral, o processo de design em projetos de software livre não é tão óbvio, aberto e participativo quanto a escrita do próprio código-fonte. A documentação é escassa e os meios de participação para usuários são restritos. É como disse numa palestra em 2006: “Quem não codifica, não apita”.

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Enquanto no software proprietário, o design é um segredo guardado a sete chaves e o produto não oferece o código fonte (exemplo clássico: Apple), no Design Livre tanto o produto quanto o design são abertos à leitura e à participação. A caixa preta da Apple faz as pessoas acreditarem que ao possuirem seus produtos, terão acesso à criatividade que os gerou, o que não necessariamente é verdade. A caixa preta cria a ilusão de que algo que está sob controle pois funciona, quando na verdade não está, pois desconhece-se seus funcionamento.

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No livro do Design Livre a gente escreveu o seguinte:

O Software Livre busca libertar os usuários da caixa preta. Entretanto, mesmo abrindo as caixas, temos outros códigos e questões não-codificáveis que estão além dos códigos de programação do software, como a emoção, cultura, política, que também fazem parte do processo. Assim, um código aberto pode ser também uma caixa preta, se o processo de desenvolvimento dele for uma caixa preta.

Ainda não existem métodos e ferramentas estabelecidas para promover essa abertura do processo de design. O que nós sabemos é que não adianta apenas disponibilizar o código-fonte, é preciso disponibilizar rica documentação sobre o processo de design e promover a co-criação num processo contínuo, que não termina quando o produto está funcional.

É uma questão a se pensar. O que eu apresentei na palestra foi a maneira como envolvia meu filho nos projetos de jogos que fazia para ele, o que mais tarde lhe deu base projetual para criar seus próprios jogos. Embora o acesso e domínio sobre o código-fonte tenha sido importante para ele desenvolver suas ideias a ponto de funcionarem, antes disso ele já tinha a base projetual que o permitia imaginar e prototipar jogos utilizando papel, papelão, brinquedos e outros materiais.

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Por isso que a gente enfatiza tanto que Design Aberto (Open Design), com o código-fonte aberto, não é suficiente para garantir a liberdade projetual. Daí o nome Design Livre.

O anteprojeto e o antiprojeto do design livre

Uma conversa minha com o Gonzatto em 3 de outubro de 2010 sobre o projeto de mestrado que ele elaborava para o PPGTE. A proposta era estudar design livre a partir dos escritos de Vilém Flusser, autor de Uma Filosofia do Design, Mundo Codificado, Filosofia da Caixa Preta e outros livros geniais.

Essa conversa mostra algumas das questões que motivaram desenvolver o conceito de Design Livre. Algumas se perderam no meio do caminho, outras ficaram. Alguém afim de trazê-las de volta à baila?

poemas-de-paulo-leminski-pichados-muro-curitiba
lendo flusser
para o deisgn livre
fred: muito boa essa do leminski
02:29 acho q poderia render sua dissertação
o q o barro do design de interação quer?
quais são as intenções do design thinking?
Rodrigo: to indo nessa onde mesmo. é nois no design livre
explique melhor essa ultima pergunta
design thinking como tecnologia?
02:30 fred: design thinking como um monstro coletivo
02:31 um meme
Rodrigo: acho massa pensar dessa maneira
mas acho esse papo de design thinking tão fraquinho. a galera tá mesmo ligada nisso?
lembra que tu falou de um cara
que disse que essa coisa de todas as disciplinas vivarem importantes em todas as partes do processo
02:32 fred: sim sim
Rodrigo: é uma horizontalicao do conhecimento, pois todo esta interdisciplinar? quem falou isso
vc viu numa palestra
fred: cara, vc tem q levantar as bolas pra bater
não se preocupe se não sobrar nada
no pre projeto vc tem q mostrar q tem bala na agulha
só isso
meta o pau em todo o mundo e diga q só um cara salva
Rodrigo: flusser salva
fred: isso
02:33 Rodrigo: flusser morreu pelos nossos pegados
ou pecados
flusser em breve voltará
fred: flusser está entre nós
Rodrigo: grande conselho
hahahahaha
boa
vc deveria fazer seu doutorado em cima do seu modelo de dxi
é a luta entre humanos e aparelhos
02:34 um ringue, cada um de um lado, mediações são o poder. temos que empurrar esta interface contra
fred: hahaha
conflito na interface
poderia ser o título
02:35 Rodrigo: com galvão bueno narrando e eye of the tiger ao fundo
fred: sinistro
Rodrigo: escravizando o aparelho
fred: metadesign versus autopoiese
02:36 Rodrigo: urra!
ai o bicho pega
fred: duelo de gigantes
Rodrigo: titãs
ao vencedor, as relações de poder (e as batatas)
fred: hahahaha
02:38 cara, acabei de pensar
no novo paradigma
Rodrigo: opa
fred: que vai salvar a sociedade
o desdesign
Rodrigo: estava na hora!
hummmmm
nome bonito
bom!
fred: pra voltar atrás
Rodrigo: fazer o design desmanchar no ar?
fred: fazer a gente voltar a ser o que era antes
seres espontâneos
02:39 Rodrigo: pode crer. antes do texto (segund flussssser)
fred: desdesign é o design que come pelas bordas
Rodrigo: hummm
sem necessidade de design? é isso?
fred: o design é o mal do século
tudo é projeto
Rodrigo: design como uma necessidade que pode ser evitada
fred: tudo é projetado
nada mais acontece por acaso
um saco de vida
Rodrigo: uau!
isso é bom
fred: então o lance é fazer ações que quebrem o projeto
02:40 que façam o projeto ruir
aos poucos é claro
é um antiprojeto
busquei o acaso,
esse deus que eu desfaço.
02:41 fred: antiprojeto contra o anteprojeto
Rodrigo: uau!!
bom bom bom!
02:42 demais!
estava pensando em porque será
que tenho que trabalhar como Designer de Interação como titulo
porque as coisas tem Designer na frente
porque não só Interação
a disciplina ser Interação. estudo Interação
02:43 mas tem que ser Designer. porque tem que ser projetado
obrigatoriamente
pq nao estudar só como é a interação, sem projeto? como acontece
Design como uma ciência natural
Rodrigo: nao
Interação como ciencia natural
se possivel, nao ciencia
02:44 fred: porque tem que operacionalizar este conhecimento paras as rotinas produtivas de valor
Rodrigo: uhumm
02:46 o acaso
me lembrou esse texto que vi esses dias
02:47 É totalmente possível que outra pessoa nos entenda muito mais do que nós mesmos http://nao2nao1.com.br/conversar-discutir-e-melhorar-a-comunicacao-e-realmente-o-segredo-de-um-bom-relacionamento/
o projeto tenta
deixar tudo às claras
tudo dito
mas quem disse que é assim que se faz, que assim se compreende?
02:50 fred: o contrário do design é o acaso?

Primeira conversa sobre Design Livre registrada no Faber-Ludens

Vasculhando no meu email, encontrei a primeira conversa em que o termo foi mencionado, em 2009. O Gonzatto estava fazendo um trabalho sobre metodologias de design na disciplina do Renato Costa e mandou por email um rascunho de um texto que usava o termo pela primeira vez. O texto dava nome a prática de projeto que já estava sendo desenvolvida no Instituto naquele momento, com projetos de alunos abertos, licenças creative commons e participação de usuários.

Rodrigo Gonzatto  14 de julho de 2009 16:38
Para: Frederick van Amstel , Renato Costa

Olá Fred e Renato! Podem me ajudar com duas dúvidas?

Sabem se existe alguma metodologia de Design
que envolva ainda MAIS os usuários (ou melhor, as pessoas)
que o DCU e o Design Participativo?

E as comunidades de código livre, são um exemplo de uso da metodologia participativa?

(Tô com uma idéia na cabeça…)


Frederick van Amstel  14 de julho de 2009 17:02
Para: Rodrigo Gonzatto
Cc: Renato Costa
Sugiro que vc dê uma lida no capítulo 2 da minha dissertação onde
tento uma aproximação entre a metodologia bazar do Software Livre e o
Design Participativo.
http://usabilidoido.com.br/das_interfaces_as_interacoes_design_participativo_do_portal_brofficeorg.htmlUma coisa que quiz manter na minha abordagem é a figura do designer,
não como criador, mas como mediador do processo. Porém, tem gente que
acredita que é possível design sem designer, como no caso das
metrópoles não-planejadas, fruto do micro-planejamento de diversas
entidades.Eu chamaria isso de Design Coletivo, mas não encontrei um referencial
robusto durante minha pesquisa de mestrado.Alguns textos que se aproximam disso:
http://www.cs.chalmers.se/idc/theses/04/pdf/tannfors.kristensen.pdf
http://l3d.cs.colorado.edu/~gerhard/papers/Interact-2007.pdf
http://ojs.ruc.dk/index.php/pdc/article/view/235

 


Rodrigo Gonzatto 14 de julho de 2009 18:42
Para: Frederick van Amstel

Vou ler suas referências, Fred. Preciso ler, ler, ler! hehehehe

Por ora, deixo abaixo um texto que elaborei hoje de manhã,
em meio às minhas divagações sobre metodologias de design.

Encontrei, sobre o assunto essa referência: http://br-linux.org/linux/node/8522
Que é um projeto que visa o desenvolvimento do design social e a promoção do ofício do design.
Interessantíssimo.

Essa ideia me surgiu pensando sobre como um “Design centrado em mim”
poderia ou não poderia mudar a ideia de “Eu fazendo design para ser usado por outros”.

Pois:

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Design Livre: o processo liberto

 

Design livre é a mãe que ensina a filha à cozinhar, ao invés de fazer a comida que a filha gosta (Centrado no Usuário) ou chamar a filha para cozinhar junto (Design Participativo). É um passo para a difusão da cultura do hack e da gambiarra, onde, se eu não gosto de algo, eu mesmo altero, arrumo, melhoro, transformo ou personalizo.

No Design Centrado no Usuário, um grupo de designers volta seu olhar para outra pessoa: o usuário. No Design Participativo, o designer junta-se aos usuários para projetar. No Design livre, a proposta é que os designers transformem usuários em designers. E estes, sim, é que realizam o projeto. A partir daí, aqueles designers, iniciais, agora só colaboram, e vão assessorando e sugerindo ideias para o projeto que estes usuários, que agora são designers, estão desenvolvendo.

De início, em contraponto aos problemas do DCU, penso o qão interessante seria pensar em um “Design centrado em Mim”. Mas, assim como é  dificil conhecer o outro (no DCU), que também tem seus problemas. Mas pense nas possibilidade de um “design centrado em Nós”, ao invés do “Design centrado Neles”, tão comum no DCU.

Comercialmente, a princípio, isto parece ser um desastre. Mas tente imaginar Design livre como uma metodologia de Design Social. O nome desta proposta poderia ser “Design liberto”, “Design libertário”, podem ser propostas muitas nomeclaturas. Talvez esta proposta resuma os mais evidentes problemas de algumas metodologias do design à um problema de ensino e educação.

O que interessa é pensar em novas propostas de design, que ajudem a criar uma sociedade mais crítica e (como o Fred costuma sempre ratificar) dê poder para as pessoas.

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Fico em dúvida se posto isso logo (e aquele meu modelo de design, mais lúdico)
ou desenolvo mais antes de postar. Pode me dar uma sugestão?


Renato Costa  14 de julho de 2009 20:57
Para: Frederick van Amstel
Cc: Rodrigo Gonzatto
Pois é, esse assunto dá um bom debate! Se o designer vira somente um
mediador, ele ainda é um designer? O que caracteriza a atuação do
designer? Para mim, a criatividade é uma habilidade essencial para um
designer. Mas acho que para ser designer não deveria ser preciso um
curso superior. O Design é um tipo de conhecimento que todos deveriam
ter contato ainda no ensino fundamental e médio. É como o
empreendendorismo. São conhecimentos que formam um cidadão ativo,
criativo, crítico. Se o designer virar um mediador, ele estará
delegando o processo criativo aos participantes. E esse mediador terá
que ensinar alguns conceito básicos de design para os participantes,
mesmo que de forma indireta. Então, na verdade, teremos uma grande
equipe de designers coordenados por um designer mais experiente.
Não sei qual é essa sua idéia, mas uma referência que posso te passar
é esse livro: http://books.google.com.br/books?id=UHLv3zg_r9EC&pg=PP1&dq=unilabor
Tem uma resenha do livro aqui:
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/417/9948
É sobre a Unilabor, uma cooperativa de fabricação de móveis.Abs,
Renato

Frederick van Amstel  15 de julho de 2009 03:46
Para: Rodrigo Gonzatto
Posta logo! Aplique sua própria metodologia para desenvolvê-la!

O Gonzatto postou e o texto virou referência.

Cultura maker: quando o fundo de quintal vira vitrine

Semana passada estive na Maker Faire in Roma, a primeira edição completa organizada fora dos Estados Unidos. Eu esperava algo bem pequeno, mas quando vi o prédio onde seria o evento já percebi que algo muito importante estava acontecendo.

O Palazzo dei Congressi é um dos prédios construídos por Mussolini para abrigar uma feira internacional que nunca aconteceu devido à Segunda Guerra Mundial. A feira tinha o objetivo, dentre outros, de mostrar a produtividade industrial do regime fascista.

palazzi_dei_congressi_maker_faire

70 anos depois, a Maker Faire mostrou a produtividade da cultura maker em toda a Europa. Mais de 200 grupos expuseram na feira suas criações de fundo de quintal. Brinquedos, impressoras, instrumentos musicais, e robôs, fabricados em casa ou em pequenos escritórios, com materiais de baixo custo e tecnologias de produção simples.

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Bicicleta com quadro de madeira.

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Scanner de objetos em 3 dimensões feito com webcam e feixe de laser simples.

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Luva de realidade virtual baseada em Arduino e sensores de flexão.

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Balão metereológico baseado em Arduino e gás hélio.

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Almofada que responde ao usuário com grunhidos e vibração.

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Instrumentos musicais costurados em tecido.

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Jogo de tabuleiro baseado em sensor de ondas cerebrais plugado numa Arduino.

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Sequestrado de carbono baseado em cultura de algas.

Esses foram alguns dos projetos que eu consegui ver e falar com os makers, porém, muitos não dava nem pra chegar perto, pois a feira estava lotada! A visitação foi massiva. A foto abaixo é de um dos 10 pavilhões, todos apinhados de crianças e adultos querendo saber como é que o sujeito fez aquela coisa.

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Chris Anderson, anuncia no livro Makers (disponível em português) que estamos presenciando uma nova revolução industrial. O que hoje é uma brincadeira de hobbistas pode virar no futuro um modo de produção generalizado. Ao invés de comprar produtos industrializados, as pessoas iriam fabricar o que precisam em suas casas ou em birôs de fabricação próximos à sua casa.

Na minha opinião, o movimento ainda não adquiriu as características de um sistema de produção global que justifique chamar de revolução. A sustentabilidade ainda é uma grande incógnita, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista ambiental. Porém, acredito que terá grande relevância para as futuras gerações.

Hoje um dos grandes desafios do atual sistema produtivo é a formação de mão-de-obra técnica e, ao mesmo tempo, criativa. A cultura maker cria motivação para desenvolver essas habilidades durante o tempo ocioso. Ela cria uma ponte produtiva entre o mundo do trabalho e o mundo da vida pessoal. Os produtos feitos pelos makers podem não ser úteis, mas o processo de produção gera um conhecimento muito mais precisoso que o próprio produto. No mercado de trabalho, isso é um grande diferencial.

Os pais que já sacaram isso estão imergindo seus filhos na cultura maker. Meu filho, por exemplo, já brinca com Scratch e Arduino. Na Maker Faire, vi dezenas de crianças como ele. Os europeus vêm na cultura maker uma aposta para superar as contradições do sistema produtivo atual, que levou a maior parte das fábricas (e empregos) para a China. Eu acredito que a cultura maker tem maior potencial em transformar os hábitos de consumo, de uma perspectiva passiva e desinformada, para uma perspectiva consciente e engajada.

Design livre é o design da criança

Uma das primeiras coisas que toda criança aprende é a projetar, ou seja, a transformar a imaginação em realidade. Na verdade, o projetar é uma das maneiras como a criança aprende sobre suas próprias capacidades, as capacidades dos objetos ao redor, e os limites impostos pela sociedade sobre ambos.

A criança tem uma ideia e projeta essa ideia num objeto. O objeto é modificado, seja no seu significado, uso, ou funcionamento. As modificações mais radicais acontecem quando objetos são combinados de forma inusitada. Novas ideias surgem à partir dessas modificações e o projeto avança.

O projeto, vale lembrar, acontece sempre dentro de uma estória. A criança projeta para atuar na estória, contracenando com outras crianças e adultos. A narrativa, assim como o projeto, combina elementos reais e imaginários e permite a criança considerar outras possibilidades de atuação. A narrativa dá sentido ao projeto e o projeto, por sua vez, dá continuidade à narrativa. Os vídeos da etnografia Território do Brincar mostra isso claramente.

Os objetos podem também ser o ponto de partida de uma narrativa. Isso é facilmente observável se a criança for levada para um ambiente estranho, com objetos que ela não conhece, onde ela deve esperar por algum tempo um adulto fazer algo. A criança dá sentido à situação sem sentido.

A criança explora propiciações que jamais adultos considerariam. Aperta aqui, puxa dali, entorta, tenta de outro jeito. A criatividade no uso pode ir muito além da criatividade no projeto. Veja como a cadeira abaixo se transforma, pouco a pouco, num escorrega.

Crianças que são estimuladas apenas a brincar com brinquedos industrializados da maneira como eles foram projetados para ser brincados, não desenvolvem a habilidade de projetar no mesmo grau.

Brinquedos com formas realistas demais, materiais inflexíveis, marcas, manuais de instrução são as várias formas como a indústria de brinquedos evita que o projeto da criança aconteça espontaneamente. O brinquedo perde a graça rapidamente e o consumismo impera.

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Por outro lado, brinquedos feitos com materiais flexíveis, modificáveis, de formas genéricas, customizáveis, modulares, tem maior durabilidade, em termos de diversão. O esforço inicial de brincar é maior, pois o sentido não vem embutido.

Algumas pessoas perdem esse despudor de projetar livremente quando crescem, outras mantém. As escolas que trabalham com pedagogia de projeto ajudam a manter e a desenvolver as habilidades de projetar, porém, em última análise, esta é uma questão social. Se a escola é um oásis no meio de uma sociedade que inibe a liberdade de projetar, não há garantia alguma de que a criança desenvolverá estas habilidades. Pode acontecer o contrário, da criança se sentir envergonhada porque em casa brinca somente com brinquedos de madeira, enquanto que o amigo brinca com bonecos de personagens de televisão famosos.

O professor Antonio Fontoura defende que design seja parte do currículo escolar básico. Eu acho uma boa ideia, porém, sem uma cultura de projeto, não fará sentido. Em primeiro lugar, é preciso desfazer essa noção de que só designer profissional faz design. Como a gente diz no Design Livre: “libertar o design do designer”. Sem isso, como justificar que toda criança deve aprender design?

Em segundo, é preciso tratar as crianças como especialistas, ao invés de alunos. Trabalhar à partir do que elas já sabem fazer e expandir. Os materiais devem ser os disponíveis na região. A pluralidade de materiais, métodos, ferramentas, sentidos deve ser o principal valor a ser cultivado.

Em terceiro, a mudança deve ir além da escola. Programas de televisão, revistas, websites, lojas de brinquedos teriam que dar mais espaço ao projeto infantil. Haveriam concursos, exposições, e prêmios para o design das crianças.

O design já é livre enquanto criança. Se mantermos ele livre o resto da vida, então teremos um outro tipo de sociedade, menos consumista creio eu.

O que as manifestações podem aprender do código livre

Poderia eu tentar contextualizar as manifestações, mas acredito que muito foi dito no Impedimento, no Incandescenciapor este texto.

Fato que elas (as manifestações) tomaram dimensões não esperadas, com muitas pessoas dispostas a ajudar e outras querendo sabotar. Assustando governos, jornais e até os que encabeçaram as primeiras passeatas.

Cada dia que passa mais dúvidas vão surgindo na cabeça de todos: Como gerenciar tantas pessoas? O que estamos protestando? Quem são as pessoas que saqueiam e vandalizam? Porque a PM mudou de comportamento? Como aproveitar toda essa boa vontade? Pode tudo isto virar em nada? Ou acabar indo pro lado errado?

Questões que só os historiadores poderão responder, mas é fato que a grande mídia e os ‘políticos’ espertos inverteram seus discursos a fim de tentar tirar proveito de alguma forma deste movimento que não possui líderes, não possui ordem específica e se comporta imprevisivelmente.

Por isso acredito que podemos aprender muito com a comunidade do Opensource, também chamda de Código Livre, onde um número ilimitados de pessoas trabalham em conjunto em um código específico e de maneira TRANSPARENTE. Trabalho que há décadas traz benefícios para sociedade:

As pessoas realizaram algo em cooperação, unicamente por ser uma boa ideia, foi fantástico– Jaron Lanier sobre a Word Wide Web

I – Descentralização: Qualquer pessoa interessada pode ajudar, opinar e fazer. Basta ter conhecimento necessário.

Todo e qualquer cidadão pode ajudar com cartazes, mesas de discussão, divulgação da informação ou indo além dentro da sua área de atuação. Para isto basta ter a chave, no código livre é linguagem de programação, no movimento é a INFORMAÇÃO.
Leia, informe-se e duvide, este foi o começo da revolução, agoraacostume a fazer diariamente.

II – Transparência: Suporte, fórum de discussão e conhecimento gratuito.

A chave para a comunidade do código livre é o conhecimento da linguagem, mas ela é distribuída livremente pelos próprios participantes do projeto em seus blogs ou em plataformas de discussão. Tudo documentado é acessível a quem queira começar.
O mesmo deve acontecer com o movimento, toda e qualquer informação relevante, documento, foto, video deve estar disponível para todos em uma wiki, fórum, dropbox, blogs ou em algum canal*.
E o processo de aprendizagem e a criação de material didático deve ser constante. Não menosprezando ninguém.

III – Pluralidade: Diferentes ideologias convivem pelo mesmo propósito.

Dentro do código livre são diferentes ideologias trabalhando em conjunto. Pessoas de diferentes nações com abordagem diferentes na busca de um ideal comum, o código. Cada manifestante tem opiniões e abordagem diferentes e é preciso aceitar que estamos numa luta conjunta e propostas sólidas como: fiscalizar estes documentos, propor reduções orçamentais, criar canais de debate irão a segurar estas ideologias não entrarem em conflito.

VI – Debate: Com propostas dentro do contexto.

Outro ponto muito importante do código livre é que a comunidade é ativa nos debates com propostas e não apenas com críticas descontrutivas. Dentro do movimento devemos dialogar online e offline encontrando congruência com as causas do momento propondo soluções sem devaneios e conceitos abstrados como corrupção, educação.
Pensar e estudar em propostas possíveis nem que precise criar grupos e ir atrás de representação parlamentar.

V – First Things First: Atuar dentro das prioridades

Dentro de um projeto onde se produz código sempre surgem idéias como criar uma inteligência artificial ou resolver problemas com soluções mirabolantes. Mas estas se escoem rapidamente e o foco fica no que deve ser feito para melhorar a próxima versão a ser lançada. É pensado aos poucos e com paciência (v0.1, v0.2, v0.3…). O mesmo vale para as manifestações, as pautas precisam ser levadas uma de cada vez de forma organizada e o mais sólidas possíveis, para as ruas, para os governantes e para as urnas. Talvez devêssemos pensar em versão Outubro 2013?

Terminando

Outro ponto bem importante da comunidade de código livre é que as pessoas discutem, comentam, absorvem ideias e linkam textos. Tudo que escrevi aqui pode ser ingênuo mas é um start para uma discussão de como o movimento irá se organizar sem perder sua horizontalidade, seu intuito espontâneo e conviver com sua pluralidade. Continuando forte e sem risco.

*Atualmente não temos uma plataforma coerente para discussão. O facebook apresenta sérios problemas em relação a bolha de filtros, layout que não incentiva a discussão e o arquivamento das mensagens.
UPDATE: Já vem surgindo boas iniciativas para este problema. Criaram umTrello para que todos opinem, votem e recomedem pautas.