A caixa preta do design

Na palestra que dei com meu filho na Campus Party, fiz uma distinção entre Software Livre e Design Livre. Embora existam exceções, em geral, o processo de design em projetos de software livre não é tão óbvio, aberto e participativo quanto a escrita do próprio código-fonte. A documentação é escassa e os meios de participação para usuários são restritos. É como disse numa palestra em 2006: “Quem não codifica, não apita”.

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Enquanto no software proprietário, o design é um segredo guardado a sete chaves e o produto não oferece o código fonte (exemplo clássico: Apple), no Design Livre tanto o produto quanto o design são abertos à leitura e à participação. A caixa preta da Apple faz as pessoas acreditarem que ao possuirem seus produtos, terão acesso à criatividade que os gerou, o que não necessariamente é verdade. A caixa preta cria a ilusão de que algo que está sob controle pois funciona, quando na verdade não está, pois desconhece-se seus funcionamento.

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No livro do Design Livre a gente escreveu o seguinte:

O Software Livre busca libertar os usuários da caixa preta. Entretanto, mesmo abrindo as caixas, temos outros códigos e questões não-codificáveis que estão além dos códigos de programação do software, como a emoção, cultura, política, que também fazem parte do processo. Assim, um código aberto pode ser também uma caixa preta, se o processo de desenvolvimento dele for uma caixa preta.

Ainda não existem métodos e ferramentas estabelecidas para promover essa abertura do processo de design. O que nós sabemos é que não adianta apenas disponibilizar o código-fonte, é preciso disponibilizar rica documentação sobre o processo de design e promover a co-criação num processo contínuo, que não termina quando o produto está funcional.

É uma questão a se pensar. O que eu apresentei na palestra foi a maneira como envolvia meu filho nos projetos de jogos que fazia para ele, o que mais tarde lhe deu base projetual para criar seus próprios jogos. Embora o acesso e domínio sobre o código-fonte tenha sido importante para ele desenvolver suas ideias a ponto de funcionarem, antes disso ele já tinha a base projetual que o permitia imaginar e prototipar jogos utilizando papel, papelão, brinquedos e outros materiais.

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Por isso que a gente enfatiza tanto que Design Aberto (Open Design), com o código-fonte aberto, não é suficiente para garantir a liberdade projetual. Daí o nome Design Livre.

O projeto de educação de uma criança

Meu filho e eu demos uma palestra na Campus Party sobre design para nativos digitais. Os nativos digitais costumam gastar as horas mais valiosas da sua infância interagindo com videogames. O problema é que esses videogames estão colocando a cultura da criança dentro de uma caixa preta, inacessível para as crianças marcarem seus próprios valores. Os jogos que meu filho anda fazendo no Scratch mostram que programação para crianças não é um passatempo para gênios, mas uma maneira da criança ser mais ativa na sua inserção na cultura.

Mais detalhes no Usabilidoido.

Design sem designer na Campus Party

O Hugo Cristo apresentou uma palestra bem interessante na Campus Party 2014, em São Paulo. O tema é a popularização da palavra design e suas consequências. Ele levanta o histórico da profissão, tira dúvidas comuns, e apresenta uma perspectiva inclusiva e abrangente para entender design em toda atividade humana. A palestra é um aperitivo para o livro de mesmo nome.

Design na Praça discute design livre e outros temas

O Entedi4do gravou todas as apresentações do último Design na Praça, um evento que reúne designers e público em geral todo ano no Rio de Janeiro. O tema desse ano foi Faça você mesmo (com os outros). As gravações estão disponíveis no Kolaborativa. Destaco as seguintes:

Samara Tanaka apresentou projetos que desenvolve com moradores do morro do alemão, instigando-os a implementar suas ideias e sonhos pra mudar suas redes sociais.

Henrique Monnerat apresentou a Designoteca, uma plataforma de compartilhamento ou comercialização de códigos-fonte de projetos de design.

Fattelo: uma design startup financiada colaborativamente

Um grupo de designers italiano desenvolveu uma lâmpada que pode ser feita à partir de uma caixa de pizza. Os arquivos digitais e o manual de como fazer foi disponibilizado online.

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A lâmpada em si não tem nada de especial. Ela foi apresentada como um tira-gosto do que essa equipe de designers pode fazer. Eles fizeram uma campanha de crowdfunding e obtiveram o financiamento para abrir a empresa, que desenvolverá projetos similares.

O vídeo abaixo explica como foi o processo de desenvolvimento colaborativo e aberto.

Saiba mais sobre a Fattelo.

Oosterwold, um bairro projetado pelos próprios moradores

A cidade de Almere, construída sobre o mais recente aterro do país, terá um bairro especial onde as leis estritas de urbanismo serão relaxadas em favor da liberdade de projeto dos moradores. Em compensação, eles terão que se responsabilizar por serviços que em geral são fornecidos pelo próprio governo, como energia elétrica, água e esgoto.

Através de um website, os moradores poderão se organizar para dar coerência ao planejamento distribuído. Esse bairro é um experimento que se der certo, poderá se implementado em outras áreas do país.

Saiba mais no site da empreitera responsável.

Entrevista na Revista Cliche

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A Revista Cliche publicou uma entrevista comigo por ocasião do Dia do Design, com o tema Design Livre. Destaco a questão sobre a aplicação prática, enfim, pra que serve, qual é a vantagem, o que que eu ganho com esse tal de Design Livre:

Uma das questões desta metodologia de abrir o design, quando você vai tentar levar o design livre para um lado mais prático, sempre gera o porquê de aplicar o design livre. Quais as vantagens para a comunidade de design se houvesse essa metodologia de ser aberto, abrir processo e ir atrás de mais escopos participativos?

A principal vantagem é a relevância social. O design, hoje, está sofrendo um crise terrível, por ser um dos principais agentes da poluição, consumo de recursos naturais desnecessária. E também a frivolidade dos projetos que participamos como designer profissional. O que somos requisitados, o que a sociedade vê valor no nosso trabalho é para fazer coisas fúteis. O design entra como valor agregado, não é um valor. As pessoas que trabalham com design gostam de acreditar que são mais que isso. E o que entregamos é muito menos do que prometemos. Vejo muitos designers frustrados com isto, no começo da sua carreira você não sabe muito bem o quanto isto vai te apegar. De repente você se vê perguntando para que, cadê a mudança no mundo que eu acreditava, que o design me fez crer quando estava na faculdade lendo um texto bacana? O design livre tem muito foco na prática, não é só um discurso bonito, temos vários projetos que tentam realmente mudar o mundo com essa proposta de relevância social no design.

Leia a entrevista completa no site da Cliche ou baixe o podcast (recomendado).

O anteprojeto e o antiprojeto do design livre

Uma conversa minha com o Gonzatto em 3 de outubro de 2010 sobre o projeto de mestrado que ele elaborava para o PPGTE. A proposta era estudar design livre a partir dos escritos de Vilém Flusser, autor de Uma Filosofia do Design, Mundo Codificado, Filosofia da Caixa Preta e outros livros geniais.

Essa conversa mostra algumas das questões que motivaram desenvolver o conceito de Design Livre. Algumas se perderam no meio do caminho, outras ficaram. Alguém afim de trazê-las de volta à baila?

poemas-de-paulo-leminski-pichados-muro-curitiba
lendo flusser
para o deisgn livre
fred: muito boa essa do leminski
02:29 acho q poderia render sua dissertação
o q o barro do design de interação quer?
quais são as intenções do design thinking?
Rodrigo: to indo nessa onde mesmo. é nois no design livre
explique melhor essa ultima pergunta
design thinking como tecnologia?
02:30 fred: design thinking como um monstro coletivo
02:31 um meme
Rodrigo: acho massa pensar dessa maneira
mas acho esse papo de design thinking tão fraquinho. a galera tá mesmo ligada nisso?
lembra que tu falou de um cara
que disse que essa coisa de todas as disciplinas vivarem importantes em todas as partes do processo
02:32 fred: sim sim
Rodrigo: é uma horizontalicao do conhecimento, pois todo esta interdisciplinar? quem falou isso
vc viu numa palestra
fred: cara, vc tem q levantar as bolas pra bater
não se preocupe se não sobrar nada
no pre projeto vc tem q mostrar q tem bala na agulha
só isso
meta o pau em todo o mundo e diga q só um cara salva
Rodrigo: flusser salva
fred: isso
02:33 Rodrigo: flusser morreu pelos nossos pegados
ou pecados
flusser em breve voltará
fred: flusser está entre nós
Rodrigo: grande conselho
hahahahaha
boa
vc deveria fazer seu doutorado em cima do seu modelo de dxi
é a luta entre humanos e aparelhos
02:34 um ringue, cada um de um lado, mediações são o poder. temos que empurrar esta interface contra
fred: hahaha
conflito na interface
poderia ser o título
02:35 Rodrigo: com galvão bueno narrando e eye of the tiger ao fundo
fred: sinistro
Rodrigo: escravizando o aparelho
fred: metadesign versus autopoiese
02:36 Rodrigo: urra!
ai o bicho pega
fred: duelo de gigantes
Rodrigo: titãs
ao vencedor, as relações de poder (e as batatas)
fred: hahahaha
02:38 cara, acabei de pensar
no novo paradigma
Rodrigo: opa
fred: que vai salvar a sociedade
o desdesign
Rodrigo: estava na hora!
hummmmm
nome bonito
bom!
fred: pra voltar atrás
Rodrigo: fazer o design desmanchar no ar?
fred: fazer a gente voltar a ser o que era antes
seres espontâneos
02:39 Rodrigo: pode crer. antes do texto (segund flussssser)
fred: desdesign é o design que come pelas bordas
Rodrigo: hummm
sem necessidade de design? é isso?
fred: o design é o mal do século
tudo é projeto
Rodrigo: design como uma necessidade que pode ser evitada
fred: tudo é projetado
nada mais acontece por acaso
um saco de vida
Rodrigo: uau!
isso é bom
fred: então o lance é fazer ações que quebrem o projeto
02:40 que façam o projeto ruir
aos poucos é claro
é um antiprojeto
busquei o acaso,
esse deus que eu desfaço.
02:41 fred: antiprojeto contra o anteprojeto
Rodrigo: uau!!
bom bom bom!
02:42 demais!
estava pensando em porque será
que tenho que trabalhar como Designer de Interação como titulo
porque as coisas tem Designer na frente
porque não só Interação
a disciplina ser Interação. estudo Interação
02:43 mas tem que ser Designer. porque tem que ser projetado
obrigatoriamente
pq nao estudar só como é a interação, sem projeto? como acontece
Design como uma ciência natural
Rodrigo: nao
Interação como ciencia natural
se possivel, nao ciencia
02:44 fred: porque tem que operacionalizar este conhecimento paras as rotinas produtivas de valor
Rodrigo: uhumm
02:46 o acaso
me lembrou esse texto que vi esses dias
02:47 É totalmente possível que outra pessoa nos entenda muito mais do que nós mesmos http://nao2nao1.com.br/conversar-discutir-e-melhorar-a-comunicacao-e-realmente-o-segredo-de-um-bom-relacionamento/
o projeto tenta
deixar tudo às claras
tudo dito
mas quem disse que é assim que se faz, que assim se compreende?
02:50 fred: o contrário do design é o acaso?

Primeira conversa sobre Design Livre registrada no Faber-Ludens

Vasculhando no meu email, encontrei a primeira conversa em que o termo foi mencionado, em 2009. O Gonzatto estava fazendo um trabalho sobre metodologias de design na disciplina do Renato Costa e mandou por email um rascunho de um texto que usava o termo pela primeira vez. O texto dava nome a prática de projeto que já estava sendo desenvolvida no Instituto naquele momento, com projetos de alunos abertos, licenças creative commons e participação de usuários.

Rodrigo Gonzatto  14 de julho de 2009 16:38
Para: Frederick van Amstel , Renato Costa

Olá Fred e Renato! Podem me ajudar com duas dúvidas?

Sabem se existe alguma metodologia de Design
que envolva ainda MAIS os usuários (ou melhor, as pessoas)
que o DCU e o Design Participativo?

E as comunidades de código livre, são um exemplo de uso da metodologia participativa?

(Tô com uma idéia na cabeça…)


Frederick van Amstel  14 de julho de 2009 17:02
Para: Rodrigo Gonzatto
Cc: Renato Costa
Sugiro que vc dê uma lida no capítulo 2 da minha dissertação onde
tento uma aproximação entre a metodologia bazar do Software Livre e o
Design Participativo.
http://usabilidoido.com.br/das_interfaces_as_interacoes_design_participativo_do_portal_brofficeorg.htmlUma coisa que quiz manter na minha abordagem é a figura do designer,
não como criador, mas como mediador do processo. Porém, tem gente que
acredita que é possível design sem designer, como no caso das
metrópoles não-planejadas, fruto do micro-planejamento de diversas
entidades.Eu chamaria isso de Design Coletivo, mas não encontrei um referencial
robusto durante minha pesquisa de mestrado.Alguns textos que se aproximam disso:
http://www.cs.chalmers.se/idc/theses/04/pdf/tannfors.kristensen.pdf
http://l3d.cs.colorado.edu/~gerhard/papers/Interact-2007.pdf
http://ojs.ruc.dk/index.php/pdc/article/view/235

 


Rodrigo Gonzatto 14 de julho de 2009 18:42
Para: Frederick van Amstel

Vou ler suas referências, Fred. Preciso ler, ler, ler! hehehehe

Por ora, deixo abaixo um texto que elaborei hoje de manhã,
em meio às minhas divagações sobre metodologias de design.

Encontrei, sobre o assunto essa referência: http://br-linux.org/linux/node/8522
Que é um projeto que visa o desenvolvimento do design social e a promoção do ofício do design.
Interessantíssimo.

Essa ideia me surgiu pensando sobre como um “Design centrado em mim”
poderia ou não poderia mudar a ideia de “Eu fazendo design para ser usado por outros”.

Pois:

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Design Livre: o processo liberto

 

Design livre é a mãe que ensina a filha à cozinhar, ao invés de fazer a comida que a filha gosta (Centrado no Usuário) ou chamar a filha para cozinhar junto (Design Participativo). É um passo para a difusão da cultura do hack e da gambiarra, onde, se eu não gosto de algo, eu mesmo altero, arrumo, melhoro, transformo ou personalizo.

No Design Centrado no Usuário, um grupo de designers volta seu olhar para outra pessoa: o usuário. No Design Participativo, o designer junta-se aos usuários para projetar. No Design livre, a proposta é que os designers transformem usuários em designers. E estes, sim, é que realizam o projeto. A partir daí, aqueles designers, iniciais, agora só colaboram, e vão assessorando e sugerindo ideias para o projeto que estes usuários, que agora são designers, estão desenvolvendo.

De início, em contraponto aos problemas do DCU, penso o qão interessante seria pensar em um “Design centrado em Mim”. Mas, assim como é  dificil conhecer o outro (no DCU), que também tem seus problemas. Mas pense nas possibilidade de um “design centrado em Nós”, ao invés do “Design centrado Neles”, tão comum no DCU.

Comercialmente, a princípio, isto parece ser um desastre. Mas tente imaginar Design livre como uma metodologia de Design Social. O nome desta proposta poderia ser “Design liberto”, “Design libertário”, podem ser propostas muitas nomeclaturas. Talvez esta proposta resuma os mais evidentes problemas de algumas metodologias do design à um problema de ensino e educação.

O que interessa é pensar em novas propostas de design, que ajudem a criar uma sociedade mais crítica e (como o Fred costuma sempre ratificar) dê poder para as pessoas.

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Fico em dúvida se posto isso logo (e aquele meu modelo de design, mais lúdico)
ou desenolvo mais antes de postar. Pode me dar uma sugestão?


Renato Costa  14 de julho de 2009 20:57
Para: Frederick van Amstel
Cc: Rodrigo Gonzatto
Pois é, esse assunto dá um bom debate! Se o designer vira somente um
mediador, ele ainda é um designer? O que caracteriza a atuação do
designer? Para mim, a criatividade é uma habilidade essencial para um
designer. Mas acho que para ser designer não deveria ser preciso um
curso superior. O Design é um tipo de conhecimento que todos deveriam
ter contato ainda no ensino fundamental e médio. É como o
empreendendorismo. São conhecimentos que formam um cidadão ativo,
criativo, crítico. Se o designer virar um mediador, ele estará
delegando o processo criativo aos participantes. E esse mediador terá
que ensinar alguns conceito básicos de design para os participantes,
mesmo que de forma indireta. Então, na verdade, teremos uma grande
equipe de designers coordenados por um designer mais experiente.
Não sei qual é essa sua idéia, mas uma referência que posso te passar
é esse livro: http://books.google.com.br/books?id=UHLv3zg_r9EC&pg=PP1&dq=unilabor
Tem uma resenha do livro aqui:
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/417/9948
É sobre a Unilabor, uma cooperativa de fabricação de móveis.Abs,
Renato

Frederick van Amstel  15 de julho de 2009 03:46
Para: Rodrigo Gonzatto
Posta logo! Aplique sua própria metodologia para desenvolvê-la!

O Gonzatto postou e o texto virou referência.