Como manter um processo aberto sem complicar demais?

Estava conversando com o Frederick van Amstel sobre um software que ele me apresentou: o Compendium. O Fred está utilizando ele para mapear conceitos e ideias de livros que está lendo para o doutorado. Por meio da criação de mapas conceituais, é possível ter uma outra visão sobre as propostas teóricas dos autores, diferente de um fichamento textual de um livro. Veja um exemplo de mapa que ele criou, sobre um livro do Henri Lefebvre, ou abaixo:

lefebvre_production_space_map

O Fred explicou que escolheu “o Compendium pq ele não te impõe uma estrutura rígida. É fácil de mudar o q vc já fez e fica sempre visualmente suave graças à curvatura das linhas.”, que há a possibilidade de mapear bottom-up, tal como em um diagrama de afinidades.

Comecei a experimentar o Compendium e mandei um exercício que fiz para o Fred, e notamos que nossos usos foram diferentes. O Compedium é um softwa multi-uso, flexível, servindo para anotação de dados empiricos, fichamentos… Para o Fred isso

“indica q o software é bem adaptável, apesar de ter bem poucas funcionalidades. Em geral, na computação, as intenções de propiciar são pareadas com uma funcionalidade embutida, daí surge as funcionalidades específicas de customização. Pela perspectiva do design livre, todo uso já é em si uma customização, ou seja, ao invés de pensarmos como embutir mais funcionalidades de customização, a gente pensa em como dar liberdade ao usuário para fazer do jeito dele e isso pode significar em alguns casos, ter menos funcionalidades, funcionalidades mais genéricas, intercombinantes, etc.”

Na minha opnião, este é um diferencial entre Design Livre e perspectivas tradicionais de Design, nas quais o método/modelo de processo é aplicado para tenta dar conta da prática. Inclusive, é um pouco do receio que tenho ao usar a Teoria da Atividade (totalizar os fenômenos no framework, e achar que estou dando conta de tudo) e algo interessante na etnometodologia (evitar a teorização a priori e emergir as práticas por elas).

O Design Livre, ao entender a importância da liberdade, não vai dizer que o projeto que um grupo está fazendo é necessariamente “errado” por alguma natureza teórica do design de “como se faz”.

O Design Livre busca dar voz às práticas/projetos “alternativos” das perspectivas centrais da (disciplina) Design. Design Livre atuando para “desinibir”, uma ideia que o Fred já havia sugerido em outras conversas.

Essa diversidade de práticas é excelente. Mas tem um problema: sem algum tipo de acordo o conhecimento e as práticas ficam restritas a um grupo que as pratica. Um exemplo são os projetos na plataforma de Design Livre, o Corais.org. Considero difícil começar a colaborar com um grupo, pois eles se organizam de acordo com seus conhecimentos e práticas, que nem sempre são o modo que eu me organizo, por exemplo.

A solução pode s ter algum tipo de acordo/padronização/metodologia/processo/regra definido: mas uma padronização imposta “de fora” do grupo, pode “colonizar” o projeto da comunidade, e essa padronização/acordo pode fechar as praticas por exigir que os padrões e acordos sejam conhecidos, restringindo colaborações de quem já conhecia as práticas anteriores.

Ao mesmo tempo, me parece importante ter esse salto, para dialogar com outros “padrões” (canibalismo/antropofagia). Os acordos podem se tornar mais explícitos sendo realizados por quem os pratica, constituindo a história do grupo inclusive. Obrigar a utilizar um determinado processo e determinados termos para fazer design/projetar é desconsiderar a história desse grupo, previlegiando a de outro.

Lembro que esta foi uma das razões iniciais do Corais.org não ter um processo obrigatório definido a princípio. Analisamos outras ferramentas de projetos abertos, como o Open IDEO, que obrigam o processo de design a seguir a metodologia da IDEO. Claro que, o Corais.org, por ser uma ferramenta criada por pessoa, incorpora alguma noção de processo dos que a criam. Mas mesmo assim, acredito que o Corais.org visa, tal como o Compedium que comentei no início deste post, ser uma ferramenta mais flexível a multiplos-propósitos. Um exemplo é que, os projetos abertos permitem que forks sejam criados a qualquer momento. Outro, é o projeto do Metadesign do Corais, que visa modificar a própria ferramenta

Paulo Freire já dizia algo mais ou menos assim:

O ensinar começou quando as pessoas se tornaram conscientes que aprendiam.

Da mesma forma, a formalização das concepções do Design como disciplina e área do conhecimento começou com a prática. Ao Design Livre cabe, em algum momento, incentivar que se eleve qualitativamente os conhecimentos das práticas (que podem não ser consideradas design) àquele campo, do Design formalizado? Como não tornar isso uma colonização/ roubo dos comuns, conforme a discutida pelo Fred e pelo Luciano Lobato no twitter:

@lucianolobato : Já reparou como as listas e comunidades de UX/AI/DI antes eram espaços para discussão e depois se tornaram espaços para divulgação?

@usabilidoido: tem a ver com a estabilização do aprendizado formal e da ascenção dos especialistas. no Brasil esse pessoal não compartilha. a única coisa q eles compartilham é a divulgação dos próprios serviços. é a tragédia dos commons…

@lucianolobato: Privatização da internet? (talvez por inércia ou reflexo do offline) O que era público (discussão) virou privado (divulgação)

@usabilidoido: eu diria q é um ciclo do capitalismo. primeiramente o recurso é compartilhado, alguém coloca uma cerca e começa a disputa. quando a disputa deixa de ser produtiva, aparecem os movimentos de ocupação, eles retomam o público, e o ciclo recomeça

@lucianolobato: pergunta retórica zen: como saber se a participação tá sendo ocupação (tornar público) ou apropriação (tornar privado)? 😛