Virei a casaca: serei um design thinker

De uns tempos para cá eu tenho intensificado minhas críticas ao Design Thinking (DT), principalmente por ter observado o aumento no número de afirmações vazias e até irresponsáveis de alguns evangelistas.

Por outro lado, descobri que vários designers que eu respeito, tanto do ponto de vista teórico quanto dos projetos realizados, estão adotando a perspectiva do DT em pesquisas e nas suas atividades no mercado. Não sei se são as pressões da concorrência ou interesse real pela abordagem, então resolvi fazer uma consulta:

Você, que é estudante, colega profissional, professor ou pesquisador adepto do DT, poderia compartilhar comigo (e com os leitores deste humilde tumblr) suas referências ou projetos realizados?

É importante lembrar que eu mesmo sou um colecionador de títulos, projetos e artigos no tema, então eu quero descobrir coisas novas que poderiam, numa possibilidade remota, mudar minha concepção crítica da abordagem. Isso exclui, necessariamente:

Me preparei para ser um design thinker ao longo dos próximos sete dias (18 a 25/03), com o intuito de estudar argumentos que eu desconheço a favor do DT e que sejam dignos de leitura. Aceito posts de blog, indicações de livros, vídeos, relatórios de projeto e qualquer outra coisa que demonstre os diferenciais da perspectiva. Quem puder comentar por aqui mesmo vai ajudar bastante na disseminação das informações para outros interessados.

Por favor não indiquem sem ler nem recomendem coisas que não conhecem. Não ajudem a perpetuar o hype mais do que ele mesmo já se perpetua 😛

Meu objetivo é dar uma última chance à minha teimosia e conseguir ver o que as pessoas que eu tanto respeito estão vendo nessa história toda. O resultado desse estudo virará um curso de extensão a distância (EAD) em 2013/2 e mais um livro devidamente batizado de “A invenção do pensamento do Designer”.

PS: Estou mantendo uma lista atualizada com as referências recebidas aqui.

Fichamentos sobre “plágio” no livro Distúrbio Eletrônico

Selecionei alguns trechos sobre plágio do capítulo 4 (Plágio utópico, hipertextualidade e produção cultural eletrônica) do livro Distúrbio Eletrônico,  escrito pelo Critical Art Ensemble e (publicado no Brasil pela editora Conrad). Criei este post para servir de complemento a este texto do Emílio.

O plágio tem sido há muito considerado um mal no mundo cultural. Tipicamente, tem sido visto como um roubo de linguagem, idéias e imagens executado pelos menos talentosos, freqüentemente para o aumento da fortuna ou do prestígio pessoal. No entanto, como a maioria das mitologias, o mito do plágio pode ser facilmente invertido. Talvez aqueles que apóiam a legislação sobre representação e a privatizado da linguagem são suspeitos. Talvez as ações dos plagiadores, em determinadas condições sociais, sejam as que mais contribuem para o enriquecimento cultural. Antes do Iluminismo, o plágio tinha sua utilidade na disseminação das idéias. Um poeta inglês poderia se apropriar de um soneto de Petrarca, traduzi-lo e dizer que era seu. De acordo com a estética clássica da arte enquanto imitação, eta era uma prática perfeitamente aceitável. O verdadeiro valor dessa atividade estava mais na disseminação da obra para regiões onde de outra forma ela provavelmente não teria aparecido, do que no fortalecimento da estética clássica.  (p.83)

O plágio freqüentemente carrega um peso de conotações negativas (particularmente na classe burocrática). Enquanto a necessidade de sua utilização aumentou com o passar do século, o plágio foi camuflado em um novo léxico por aqueles desejosos de explorar essa prática enquanto método e como uma forma legítima de discurso cultural. Readymades, colagens, found art ou found texto, intertextos, combines, detournment e apropriação – todos representam incursões no plágio. De fato, esses termos não são sinônimos perfeitos, mas todos cruzam uma série de significados básicos à filosofia e à atividade de plagiar. Filosoficamente, todos se opõem a doutrinas especialistas de produção de textos: todos pressupõem que nenhuma estrutura dentro de um determinado texto dê um significado universal e necessário. Nenhuma obra de arte ou de filosofia se esgota em si mesma, em seu ser-em-si. Tais obras sempre estiveram relacionadas com o sistema de vida vigente da sociedade na qual se tornaram eminentes. (p.85)

O plágio historicamente se colocou contra o privilégio de qualquer texto fundado em mitos espirituais, científicos ou quaisquer outros mitos legitimadores. O plagiador sempre vê todos os objetos como iguais, e assim horizontaliza o plano do fenômeno. Todos os textos se tornam potencialmente utilizáveis e reutilizáveis. Aqui temos uma epistemologia da anarquia, de acordo com a qual o plagiador sustenta que se a ciência, a religião ou qualquer outra instituição social impossibilita a certeza além do domínio do privado, então é melhor dotar a consciência de tantas categorias de interpretação quanto possível. (p.87-88)

O gênio de um inventor como Leonardo da Vinci residia em sua capacidade de recombinar os sistemas até então separados, da biologia, matemática, engenharia e arte. Ele era mais um sintetizador do que um criador. Existiram poucas pessoas como ele porque a habilidade de reter tantos dados em uma única memória biológica é rara. Agora, no entanto, a tecnologia da recompilação está disponível no computador. O problema agora para os candidatos a produtores culturais é conseguir ter acesso a essa tecnologia e informação. Afinal, o acesso é o mais preciso de todos os privilégios, e é, portanto, muito bem guardado, o que por sua vez no faz pensar se para ser um plagiados de sucesso é preciso ser também um hacker bem-sucedido. (p.89-90)

O sonho do plagiador é ser capaz de baixar, mover e recombinar textos com comandos simples e de fácil uso. Talvez o plágio legitimamente faça parte da cultura pós-livro, já que apenas nessa sociedade ele pode tornar explícito o que a cultura do livro, com seus gênios e auteurs, tende a ocultar:  que a informação é mais útil quando interage com outra informação, e não quando é deificada e apresentada no vácuo. (p.90)

Na Inglaterra do século XVII, quando o direito autoral apareceu pela primeira vez, o objetivo era reservar às próprias editoras, para sempre, os direitos exclusivos de imprimir certos livros. A justificativa, é claro, era de que, quando usadas em um obra literária, a linguagem teria a personalidade do autor imposta sobre ela, marcando-a dessa maneira como propriedade privada. Sob o abrigo dessa mitologia, o direito autoral floresceu no capitalismo tardio, estabelecendo os precedentes legais para a privatizado de qualquer item cultural, fosse ele uma imagem, uma palavra ou um som. Assim o plagiador (até mesmo o da classe tecnocrática) é mantido em uma posição profundamente marginal, a despeito dos usos inventivos e eficientes que sua metodologia possa ter em relação ao estado corrente da tecnologia e do conhecimento. (p.98)

O presente requer que repensemos e representemos a concepção de plágio. Sua função tem sido há muito desvalorizada por uma ideologia que tem pouco lugar na tecnocultura. Deixemos que as noções românticas de originalidade, genialidade e autoria permaneçam, mas como elementos para produção cultural sem nenhum privilégio especial acima de outros elementos igualmente úteis.  (p.98)

Design Livre Primitivo

No passado, todos os criadores foram considerados artesãos. Não foi até faz 500 anos que os primeiros artistas surgirem da face das suas criações para se ganhar um lugar privilegiado dentro de nossas sociedades. Naquele ambiente primitivo, muitos elementos relacionados à criatividade ficaram juntos de uma maneira natural, ou seja, sem nenhum método ou restrição estabelecida, criando assim uma configuração de design sem restrições que deu lugar ao desenvolvimento cultural na escala local: um design que é naturalmente aberto. Tienda de souvenirs Um bom exemplo que chama a minha atenção é do Nahuizalco, uma cidade ao Oeste de San Salvador, em El Salvador. A principal fonte de receita é o design e fabricação de objetos de madeira: artesanatos ornamentais, utensílios e mobiliário. Os artesãos neste lugar tem aprendido tudo através de distintas fontes, sendo as mais importantes a inovação local, a infuência entre si dentro do sistema, e as influências externas. Hoje em dia as coisas não funcionam na mesma maneira, pelo ‘desenvolvimento’ de conceitos tais como a visão na propriedade privada da criatividade, assim como a criação de restrições sistêmicas à influência mútua entre os criativos. Algumas das condições que limitam esta configuração multidimensional da inovação são:   1. A negação da coletividade da inovação Como eu disse ao principio, a expressão criativa tem trocado do propósito de ser um elemento mais da sociedade, para ficar num staus superior. A visão romântica de um gênio louco, trancado no seu quarto até achar a epifania foi parte fundamental de esta visão, e não foi sem os resultados de pesquisas recentes da antropologia como contexto da inovação que tem permitido negar (pelo menos academicamente) esta ideia. Por exemplo, de acordo com R. Keith Sawyer (Explaining Creativity, 2006), é importante analisar todas as influências externas ao indivíduo, o que quer dizer que o ato de criação é mais social do que todos nós pensávamos. “Para explicar a criatividade no somente devemos incluir estes enfoques contextualizados; em muitos casos devemos começar com eles”.

2. O fechamento parcial ou total das vias de transferência do conhecimento e aprendizagem Um dos principais problemas aparentes dentro de um sistema aberto é o plágio (muitas vezes atrevido demais) das obras. Por exemplo, para sociedades antigas, um dos métodos de pesquisa de informação cultural é a comparação geográfica entre as expressões artísticas, para desenhar uma linha de tempo entre obras similares entre artistas. A dizer a verdade, o plagio é um dos principais meios de desenvolvimentoartístico entre artesãos, ao ponto de que em muitos casos existe muito pouca variação entre as expressões artísticas entre diferentes autores. A solução para isto, para muitas pessoas, e o fechamento dos processos e ainda dos produtos para outros produtores, o isolamento dos estilos particulares e a criação de vantagens competitivas através dos segredos comerciais. Ao mesmo tempo isso desacelera a criação coletiva e aumenta os custos da produção, sem mencionar a fragmentação da identidade coletiva social.

3. A apropiação das expressões artísticas através da propriedade intelectual Entretanto que existem muitas abordagens que justificam a propriedade intelectual, o mais questionável tem que ver com a remuneração para aquele criador que tem investido esforço para a criação das suas obras. Porém, desde um ponto de vista social, uma grande parte deste conhecimento e esforço esta baseado na influência feita pelo entorno, de modo que a valoração do esforço, e portanto, da validade da propriedade como é avaliado hoje em dia. A inovação foi possível antes sem a necessidade de restrições ao uso das obras, ou também em muitos casos da copia (interna ou desde sistemas externos) foi importante para a inovação, e continua assim até hoje. A industria da moda é um exemplo de como a criação pode permanecer a mesma num oficio sem precisar de apelar à propriedade intelectual, permitindo assim o remix de influências de todos os tipos. Entrada de la tienda Como conclusão, o design aberto oferece um caminho já anteriormente recorrida por nossas sociedades. Procura a criação e disseminação de influências e a inclusão do criador como protagonista e membro da sociedade, sempre quando as maiorias podem ser também protagonistas de essas mesmas historias. Sharing is caring.

O design como antropologia contemporânea

Aproveitando os debates conceituais que foram recentemente publicados no blog, revi um texto que escrevi em 2011 sobre o design, sua relação com a cultura material e imaterial. Acho que pode ser interessante para o debate sobre o design livre!

“Certa vez tentei explicar meu trabalho para um jornalista, que resumiu minha longa explicação em uma exclamação: você é um antropólogo tecnológico!” (Vicent Kim em “The human factor: revolutionizing the way people live with technology” p.15, 2006).

Introdução

A palavra design está presente no cotidiano contemporâneo de forma recorrente. Há cursos de design gráfico, design visual, design de som, de hipermídia, de jogos, de embalagem, de produto, de moda, de jóias, de ambientes, de interiores, de serviços. Design de interfaces e design de interação, entre outros.

Diante de tanta diversidade, para dar início a esta reflexão analisaremos a origem da palavra. Para tanto recorremos ao ensaio ‘Sobre a palavra Design’ do filósofo Vilém Flusser. Design vem do latim, do verbo designare, ou seja, “etimologicamente a palavra design significa algo como de-signar” (Flusser, p. 181, 2007). Neste sentido, ela carrega em si muito mais o aspecto de projetista do designer do que seu lado mais comumente conhecido que é o ‘daquele que desenha’. Sendo assim pode-se compreender design como a intenção de criar ou modificar algo.

Durante a análise dos significados tanto do substantivo quanto do verbo design Flusser (2007) afirma que “a palavra design ocorre em um contexto de astúcias e fraudes. O designer é, portanto, um conspirador malicioso que se dedica a engendrar armadilhas” (Flusser, p. 182, 2007). Tais afirmações encontram-se distantes do senso comum do que é o design nos dias atuais. Isso ocorre devido ao fato de haver duas escolas de design: o design do Natural e o do Artificial, segundo Bezerra (2008). Citando Hebert Simon, autor do livro The Science of the Artificial, “ele define o Artificial como o que foi concebido pelo ser humano, o resultado de uma ação humana; e o Natural como um produto da natureza” (Bezerra, p.33, 2008). Esta capacidade de criação e construção de simbologismo do ser humano está associada ao conceito de cultura das ciências sociais. Pode-se compreender a cultura como “instância humanizadora, que dá estabilidade às relações comportamentais e funciona como mecanismo adaptativo da espécie” (Velho e Castro, 1978, p. 5). Isto quer dizer que ao estarem inseridas em determinada sociedade as pessoas produzem códigos, verdadeiros aparelhos simbólicos, que interpretam a realidade e dão sentido ao mundo no qual se encontram.

Design e Cultura

É neste contexto que Flusser afirma que “este é o design que está na base de toda cultura: enganar a natureza por meio da técnica, substituir o natural pelo artificial e construir máquinas de onde surja um deus que somos nós mesmos” (Flusser, p. 184, 2007). Se nos atermos a esta afirmação podemos também concluir que “em essência, somos todos designers” (Bezerra, p.28, 2008), já que todos seres humanos são criadores de conceitos e objetos.

Estas reflexões acerca da palavra design se mostram necessárias para ampliarem o conceito, proporcionando a possibilidade de uma compreensão da complexidade envolvida no processo do design e em especial, do design livre. De forma resumida pode-se afirmar que “design significa aproximadamente aquele lugar em que arte e técnica (…) caminhando juntas, com pesos equivalentes, tornando possível uma nova forma de cultura” (Flusser, p. 184, 2007). Por outro lado é preciso ressaltar que “não é fácil explicar ou definir design (…) podemos entendê-lo através de seus aspectos práticos, operacionais ou profissionais. (…) Podemos também ver o design como uma atividade de tradução (…) ou como uma atividade de ordenação e configuração” (Bezerra, p.17, 2008). Independente da abordagem ou ponto de vista, o processo de design é uma atividade humana que evoluiu ao longo dos séculos. Se os primeiros primatas construíam arcos e flechas atualmente construímos coisas intangíveis, tais como os softwares. É dizer o trabalho do design transcende a projeção de artefatos materiais, ainda que ele seja um dos grandes responsáveis pela criação de objetos materiais.

Segundo Flusser (2007) “um objeto de uso é um objeto que se necessita e que se utiliza para afastar outros objetos no caminho (…) um obstáculo para remover obstáculos?” (p. 194) questiona o autor para explicar que “esta contradição consiste na chamada dialética interna da cultura (…) em outras palavras quanto mais prossigo, mais a cultura se torna objetiva, objetal e problemática” (p.197). De fato, a evolução do arco e flecha para interfaces multitoque e softwares auto programáveis contribuiu consideravelmente para o desenvolvimento do design incluindo, por exemplo questões de usabilidade. Portanto, neste sentido talvez caiba a comparação entre o antropólogo e o design de interação, enquanto o primeiro estuda e analisa o homem e a humanidade como um todo, o segundo se dedica a aprender e estudar como os seres humanos interagem com este novo universo do intangível trazido pelas máquinas.

Acima de tudo é importante pontuar que “a noção de design não pode ser resumida em uma palavra e (…) também não pode ser resumida em uma disciplina. Somos estudantes de problemas, de problemas que não definem fronteiras” (Charles Eames, apud Bezerra, p.24, 2008). Destacamos o aspecto de solucionadores de problemas pois este é exatamente o grande desafio de inovação contemporâneo, ou seja, solucionar questões e desafios compartilhados, por meio de metodologias colaborativas, como é o caso do design livre.

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Liberdade

O conceito de liberdade possui várias definições, e uma das que acho mais interessantes é a do filósofo Álvaro Vieira Pinto, presente no segundo volume do seu livro Consciência e Realidade Nacional (1960).

Vieira Pinto analisou a liberdade como categoria do pensamento crítico do desenvolvimento nacional, buscando evidenciar o papel da liberdade na gênese dos atos promotores do desenvolvimento. Vou apresentar aqui minha leitura de duas das principais aspectos deste conceito: a liberdade é libertar e a liberdade é ter escolhido.

Conhecer o mundo é agir sobre ele. E, ao agir no mundo, o mundo é transformado, transformando o próprio ser humano.

O projeto fundador consiste para o indivíduo (…) em assumir o mundo de que é parte, em dispor-se a pertencer a ele, não para contemplá-lo, e sim para modificá-lo. A modificação do mundo, de que se trata, não é uma qualquer, mas a que se evidencia como conquista objetiva de liberdade, numa palavra, como libertação. Logo, o ato livre fundamental é o ato de libertar o mundo. (Vieira Pinto, p.270-271)

A liberdade é uma qualidade dos atos executados pelos seres humanos. Por liberdade entende-se a faculdade de praticar atos livres, sendo atos livres os atos libertadores. Liberdade trata do poder de libertação, de conquista objetiva de liberdade.

A  liberdade se dá pelo ato pelo qual se torna livre: a liberdade é o libertar. A liberdade não é algo disponível à alguns “homens livres”, mas algo que pode se realizar pela ação humana que busca liberdade. A liberdade não é atributo de um ser, mas de um ato. Adquire-se a liberdade quando se contribui com a libertação.

A partir deste conceito, a ação livre não é qualquer ação, mas a que age pela libertação, a que transforma a realidade. Por estar situada historicamente, a busca pela liberdade efetiva não pode ser anteriormente ditada por valores ou princípios imutáveis, mas sim realizada um espaço de ações concreto, transformando-o.

A liberdade não se encontra plena e perfeita, não é característica exclusiva do pensamento de um indivíduo. Ela está ligada a ação do sujeito no mundo concreto e por isso o ato livre não é independente de qualquer condicionamento, mas se encontra situado (e por isso a necessidade de libertação). Portanto, nas palavras de Vieira Pinto, a liberdade não é um bem interior que eleva o homem: o que o eleva é a situação criada pela liberdade.

Para Vieira Pinto a liberdade é ter escolhido,  e não simplesmente o escolher. Para o filósofo, perguntar pela causa da liberdade é formular um problema logicamente insolúvel, porque sua causa ou é livre – e temos aí o regresso ao infinito; ou não é livre, e não poderia dar origem a liberdade. Qualquer critério objetivo para que seja possível definir a liberdade só acontece em situação, na prática dos atos libertadores. Assim, a liberdade não é o escolher ou estar diante de uma escolha a ser feita, mas é agir criando caminhos, perceber que se as escolhas já feitas não libertaram, é necessário agir pela liberdade.

A prática existencial estabelece-se, portanto, dentro da condição de pertencer a um mundo que solicita a nossa ação e, ao mesmo tempo, resiste a ela. Ao tentarmos produzir a nossa ação no mundo, descobrimos dupla possibilidade de fazê-la: ou em conformidade com o estado da realidade, aceitando a solicitação e a resistência, que nos desafiam a alterá-la; ou fugindo a esse estado, negando o desafio, o que vem a ser negando o estar no mundo. (Vieira Pinto, p.263)

Assim, não é possível “encontrar a liberdade” para só então executar atos livres. É na própria ação, na busca por liberdade, que se é livre. No confronto com uma situação concreta, diante de sua história, cada sujeito se depara com sua realidade e, ao decidir trabalhar para transformá-la, deseja se libertar. Da mesma maneira, a busca por liberdade não chega a um fim, pois não está pronta: é feita.

A liberdade não se dá apenas pela libertação individual. Por ser um processo realizado por cada indivíduo em uma realidade que também é a de outros, para ser efetiva deve ser uma conquista social, daqueles que se identificam com sua realidade e, ao se confrontarem com sua história, reconhecem em suas escolhas a liberdade conquistada e a necessidade de agir pela liberdade em uma nova situação, atuam como um coletivo em um projeto em comum para transformar a realidade – libertação.

Propriedade intelectual e impressão 3D

scan3d

Finalmente encontrei uma análise embasada sobre as dúvidas que a impressão traz do ponto de vista da propriedade intelectual. Se eu escanear um objeto da minha casa, criar um modelo em 3D a partir disso e imprimir dezenas de cópias, estarei infringindo uma patente? Segundo Michael Weinberg não.

Instead of being transferred from the physical world to the digital world via a scanner, useful objects created in CAD software exist first in a digital world. Once again, as a useful object the object itself (as it would exist physically) is not protected by copyright. Furthermore, even if the design file is protected by copyright, creating a physical version will not infringe on any copyright that exists in the file. No copyright on the design of a useful object extends copyright protection to the object itself. [52] The legal question arises when someone tries to copy the file.

Porém, se o objeto for “criativo”, uma obra de arte, então você tem que pedir autorização.

Unlike scans of useful objects, scans of creative objects are copies of existing works protected by copyright. That has two ramifications. The first is that anyone scanning a creative object needs the permission of the rightsholder of that object. Scanning makes a copy, and copies are exactly what copyright regulates. Even though the scanner is not creating a work eligible for copyright protection, she is still copying the creative object.

What’s the Deal with Copyright and 3D Printing? | Public Knowledge.

Como manter um processo aberto sem complicar demais?

Estava conversando com o Frederick van Amstel sobre um software que ele me apresentou: o Compendium. O Fred está utilizando ele para mapear conceitos e ideias de livros que está lendo para o doutorado. Por meio da criação de mapas conceituais, é possível ter uma outra visão sobre as propostas teóricas dos autores, diferente de um fichamento textual de um livro. Veja um exemplo de mapa que ele criou, sobre um livro do Henri Lefebvre, ou abaixo:

lefebvre_production_space_map

O Fred explicou que escolheu “o Compendium pq ele não te impõe uma estrutura rígida. É fácil de mudar o q vc já fez e fica sempre visualmente suave graças à curvatura das linhas.”, que há a possibilidade de mapear bottom-up, tal como em um diagrama de afinidades.

Comecei a experimentar o Compendium e mandei um exercício que fiz para o Fred, e notamos que nossos usos foram diferentes. O Compedium é um softwa multi-uso, flexível, servindo para anotação de dados empiricos, fichamentos… Para o Fred isso

“indica q o software é bem adaptável, apesar de ter bem poucas funcionalidades. Em geral, na computação, as intenções de propiciar são pareadas com uma funcionalidade embutida, daí surge as funcionalidades específicas de customização. Pela perspectiva do design livre, todo uso já é em si uma customização, ou seja, ao invés de pensarmos como embutir mais funcionalidades de customização, a gente pensa em como dar liberdade ao usuário para fazer do jeito dele e isso pode significar em alguns casos, ter menos funcionalidades, funcionalidades mais genéricas, intercombinantes, etc.”

Na minha opnião, este é um diferencial entre Design Livre e perspectivas tradicionais de Design, nas quais o método/modelo de processo é aplicado para tenta dar conta da prática. Inclusive, é um pouco do receio que tenho ao usar a Teoria da Atividade (totalizar os fenômenos no framework, e achar que estou dando conta de tudo) e algo interessante na etnometodologia (evitar a teorização a priori e emergir as práticas por elas).

O Design Livre, ao entender a importância da liberdade, não vai dizer que o projeto que um grupo está fazendo é necessariamente “errado” por alguma natureza teórica do design de “como se faz”.

O Design Livre busca dar voz às práticas/projetos “alternativos” das perspectivas centrais da (disciplina) Design. Design Livre atuando para “desinibir”, uma ideia que o Fred já havia sugerido em outras conversas.

Essa diversidade de práticas é excelente. Mas tem um problema: sem algum tipo de acordo o conhecimento e as práticas ficam restritas a um grupo que as pratica. Um exemplo são os projetos na plataforma de Design Livre, o Corais.org. Considero difícil começar a colaborar com um grupo, pois eles se organizam de acordo com seus conhecimentos e práticas, que nem sempre são o modo que eu me organizo, por exemplo.

A solução pode s ter algum tipo de acordo/padronização/metodologia/processo/regra definido: mas uma padronização imposta “de fora” do grupo, pode “colonizar” o projeto da comunidade, e essa padronização/acordo pode fechar as praticas por exigir que os padrões e acordos sejam conhecidos, restringindo colaborações de quem já conhecia as práticas anteriores.

Ao mesmo tempo, me parece importante ter esse salto, para dialogar com outros “padrões” (canibalismo/antropofagia). Os acordos podem se tornar mais explícitos sendo realizados por quem os pratica, constituindo a história do grupo inclusive. Obrigar a utilizar um determinado processo e determinados termos para fazer design/projetar é desconsiderar a história desse grupo, previlegiando a de outro.

Lembro que esta foi uma das razões iniciais do Corais.org não ter um processo obrigatório definido a princípio. Analisamos outras ferramentas de projetos abertos, como o Open IDEO, que obrigam o processo de design a seguir a metodologia da IDEO. Claro que, o Corais.org, por ser uma ferramenta criada por pessoa, incorpora alguma noção de processo dos que a criam. Mas mesmo assim, acredito que o Corais.org visa, tal como o Compedium que comentei no início deste post, ser uma ferramenta mais flexível a multiplos-propósitos. Um exemplo é que, os projetos abertos permitem que forks sejam criados a qualquer momento. Outro, é o projeto do Metadesign do Corais, que visa modificar a própria ferramenta

Paulo Freire já dizia algo mais ou menos assim:

O ensinar começou quando as pessoas se tornaram conscientes que aprendiam.

Da mesma forma, a formalização das concepções do Design como disciplina e área do conhecimento começou com a prática. Ao Design Livre cabe, em algum momento, incentivar que se eleve qualitativamente os conhecimentos das práticas (que podem não ser consideradas design) àquele campo, do Design formalizado? Como não tornar isso uma colonização/ roubo dos comuns, conforme a discutida pelo Fred e pelo Luciano Lobato no twitter:

@lucianolobato : Já reparou como as listas e comunidades de UX/AI/DI antes eram espaços para discussão e depois se tornaram espaços para divulgação?

@usabilidoido: tem a ver com a estabilização do aprendizado formal e da ascenção dos especialistas. no Brasil esse pessoal não compartilha. a única coisa q eles compartilham é a divulgação dos próprios serviços. é a tragédia dos commons…

@lucianolobato: Privatização da internet? (talvez por inércia ou reflexo do offline) O que era público (discussão) virou privado (divulgação)

@usabilidoido: eu diria q é um ciclo do capitalismo. primeiramente o recurso é compartilhado, alguém coloca uma cerca e começa a disputa. quando a disputa deixa de ser produtiva, aparecem os movimentos de ocupação, eles retomam o público, e o ciclo recomeça

@lucianolobato: pergunta retórica zen: como saber se a participação tá sendo ocupação (tornar público) ou apropriação (tornar privado)? 😛

Design Livre: processo aberto, desenvolvimento liberto

O nome poderia ser “Design liberto”, “aberto”, libertário”, ou alguma outra nomenclatura a ser definida. Design livre, aqui, é a mãe que ensina o filho a cozinhar, ao invés de fazer a comida que a filho gosta (Centrado no Usuário) ou chamar o filho para cozinhar junto (Design Participativo).

É um passo para uma maior aproximação da cultura do design com o hack e a gambiarra, onde quem não gosta de algo pode alterar, arrumar, melhorar, transformar ou personalizar.

No Design Centrado no Usuário, um grupo de designers volta seu olhar para os usuários. No Design Participativo, o designer se junta aos usuários para projetar. No Design livre, proponho que a proposta é de que “designers” transformem “usuários” em designers, problematizando, inclusive, estas categorizações.

A partir daí, aqueles primeiros designers apenas colaboraram, assessoram e sugerem ideias para o projeto que estes usuários, agora são designers, vão desenvolver.

Esta proposta surge na discussão em torno dos pontos fracos encontrados em metodologias como a do Design Centrado no Usuário. Ao perceber que ele gira em torno de uma espécie de “Design centrado em Outros“, resultando em insuficiências (que tentam, por exemplo, ser resolvidas com pesquisas sobre usuários), porque não pensar em algo mais próximo do “Design centrado em Mim”, aproveitando os pontos positivos que este oferece?

Porém, tão difícil quando conceber o “Outro”, também há enormes dificuldades na concepção do “Mim”. Então, juntando os dois, podemos explorar as possibilidade de fazer um “Design pensando em Nós”, ao invés do “Design centrado Neles”.

Imagine o Design Livre como uma abordagem de Design Social. Ou, então, como um serviço. Talvez este seja apenas um modo de resumir os mais evidentes problemas de algumas abordagem do design à um problema de ensino e educação. O que interessa, nesta proposta, é começar a pensar em novas propostas de design, que ajudem a criar uma sociedade mais crítica e dê poder para as pessoas.

[Via Gonzatto: Design Livre: processo aberto, desenvolvimento liberto (este texto foi publicado pela primeira vez no blog de Rodrigo Gonzatto no site do Instituto Faber-Ludens, em julho de 2009)]

Design Livre e Colaborativo orientado a Inovação

Slides da palestra apresentada no InterCon 2010 por Rodrigo Gonzatto.

Foi a primeira apresentação do Design Livre em um grande evento, abrindo a discussão para uma nova abordagem de Design conectada com colaboração e inovação social. Os slides foram criados juntamente com Frederick van Amstel. Para explicar a proposta do Design Livre, foi utilizada a metáfora de uma caixa preta para brincar com a ideia de que os processos de design não são transparentes para os não-designers e que, mesmo o código-fonte de softwares ainda não torna acessível o contato entre usuários e o funcionamento dos programas. O Design Livre, assim, seria um maneira de tornar o processo de design mais livre, por meio de sua abertura à colaboração.

Vídeo da palestra:

Via Gonzatto: Design Livre e Colaborativo orientado a Inovação